Envolverde
4 de novembro de 2010 às 9:49h
Por Stephen Leahy*, para o Terramérica
O Protocolo de Nagoya de Acesso e Participação nos Benefícios dos recursos genéticos foi o êxito mais ambicioso da cúpula da biodiversidade, realizada no Japão
Os delegados na 10ª Conferência das Partes do Convênio sobre Diversidade Biológica aprovaram um plano raquítico para a hercúlea tarefa de frear o desaparecimento de espécies. O pacto sobre recursos genéticos foi a exceção. Os representantes de mais de 190 países concordaram em colocar sob regime de proteção 17% das terras e 10% dos mares e oceanos até 2020. Atualmente, estão protegidos menos de 10% das terras e menos de 1% dos mares. O objetivo inicial era chegar a 25% e 15%, respectivamente.
No acordo está incluído o Protocolo de Nagoya de Acesso e Participação nos Benefícios dos Recursos Genéticos, o êxito mais notável da COP 10, que de todo modo foi negociado por 18 anos. Este documento estabelece mecanismos para utilizar o material genético de plantas, animais e micróbios na produção de alimentos, remédios, insumos industriais, cosméticos e em muitas outras aplicações. Por “acesso” entende-se a forma como esses recursos são obtidos, e “a divisão dos benefícios” significa como são distribuídos os ganhos provenientes desse uso.
O aproveitamento dos recursos genéticos deve muito aos conhecimentos empíricos adquiridos pelos povos indígenas durante séculos de uso e observação. Os povos originários se consideram depositários e protetores de boa parte da biodiversidade do mundo e dos conhecimentos tradicionais. Sem um acordo internacional formal como este, é impossível terem esse papel reconhecido e que seja detida a exploração de materiais e técnicas, que ocorre há décadas diante de seus narizes.
“O Protocolo de Nagoya é um tratado magnífico. Fizemos história aqui”, disse Gurdial Singh Nijar, delegado malaio representando o grupo Ásia-Pacífico. “Com este tratado esperamos apagar a palavra biopirataria do vocabulário do mundo”, afirmou. A biopirataria é praticada por empresas que se beneficiam do conhecimento indígena sobre as virtudes das espécies biológicas, mas sem seu consentimento e sem compartilhar os lucros.
“Podemos viver com o Protocolo de Nagoya”, disse ao Terramérica a ativista Joji Cariño, da indígena Fundação Tebtebba, com sede nas Filipinas. O acordo sobre um tema complexo e polêmico foi alcançado no último minuto, graças à intervenção do ministro do Meio Ambiente do Japão, Ryu Matsumoto, segundo disseram delegados, como Nijar. “Representa um grande triunfo e, no geral, é muito bom”, afirmou Preston Hardison, da tribo tulalip, dos Estados Unidos.
“O Protocolo de Nagoya coloca os povos indígenas em condições de falar diretamente aos Estados sobre nossos direitos aos recursos genéticos e o valor do conhecimento tradicional no uso dos mesmos”, disse Hardison ao Terramérica. China e Índia queriam nacionalizar os recursos genéticos fronteiras adentro. União Europeia (UE), Canadá e Austrália, que possuem grandes indústrias farmacêuticas e cosméticas, apresentaram dura resistência às tentativas de incluir os produtos bioquímicos derivados de plantas e outras espécies, destacou Hardison.
Segundo Christine Von Weizsäcker, porta-voz da Aliança do Convênio da Diversidade Biológica (CDB Alliance), uma coalizão de organizações não governamentais, “este é um grande avanço para os países em desenvolvimento”. Em entrevista ao Terramérica, Weizsäcker declarou que “está longe de ser perfeito, mas oferece uma sólida base para o trabalho futuro”.
Para entrar em vigor, o Protocolo de Nagoya deve ser ratificado pelos países, e os governos terão de adotar leis e regulamentações nacionais sobre acesso e divisão dos benefícios para colocá-lo em prática. Desde logo, como ocorre com muitos tratados internacionais, os países podem escolher ignorá-lo, pois não contém nenhuma cláusula vinculante, destacou Hardison.
Embora pareça incrível, este documento pode ser o mais forte dos três pilares do Convênio sobre a Diversidade Biológica. O segundo pilar é o plano estratégico com 20 objetivos a cumprir antes de 2020, e cuja finalidade central é chegar a esse ano com um ritmo de extinção de espécies que seja a metade do atual.
“Acreditamos que ainda são necessárias metas muito mais ambiciosas para sustentar a ampla gama de serviços essenciais que os ecossistemas prestam ao bem-estar humano”, disse Russell Mittermeier, presidente da organização não governamental Conservation International, com sede nos Estados Unidos. “A conservação e o uso sustentável da biodiversidade precisa que o setor público realize investimentos catalisadores, estratégicos e bem dirigidos”, disse Mittermeier em um comunicado
Talvez, o pilar mais fraco seja o terceiro, o financiamento para implementar o Protocolo e o plano estratégico. No momento são destinados US$ 3 bilhões anuais à assistência ao desenvolvimento em matéria de biodiversidade e conservação. Os especialistas concordam que a quantia deveria ficar entre US$ 30 bilhões e US$ 300 bilhões. Contudo, em Nagoya não se conseguiu esse compromisso. “Precisamos aproveitar a energia desta reunião, onde vimos compromissos significativos e uma renovada vontade política, bem como dinheiro real” procedente de, por exemplo, Japão, disse Jane Smart, da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN).
Há duas semanas, quando começou a conferência em Nagoya, muitos países africanos, asiáticos e latino-americanos insistiram na importância de o Norte industrial assumir compromissos financeiros firmes. Como os Estados Unidos não são membro do Convênio sobre a Diversidade Biológica, a maior parte do dinheiro deve vir da UE, que sofre o impacto da recessão econômica. O bloco não assumiu novos compromissos financeiros. Segundo fontes das delegações, os países do Sul em desenvolvimento aceitaram que o prazo para esses compromissos se estenda até a próxima COP, que acontecerá na Índia em 2012. E, por outro lado, os governos das nações ricas aprovaram o Protocolo de Nagoya.
“A África exige que os doadores aumentem suas contribuições. Sem financiamento, este será um acordo vazio”, disse James Seyani, do Malaui, e porta-voz dos países africanos. “Estamos orgulhosos por haver um acordo sobre acesso e divisão de benefícios. Mas, voltamos a solicitar às nações doadoras que respondam ao nosso pedido de desenvolvimento de capacidades, para que possamos implementar este pacto em nossos países”, declarou Seyani no encerramento da conferência.
* O autor é correspondente da IPS.
http://www.cartacapital.com.br/carta-verde/o-dna-da-biodiversidade
O Protocolo de Nagoya de Acesso e Participação nos Benefícios dos recursos genéticos foi o êxito mais ambicioso da cúpula da biodiversidade, realizada no Japão
Os delegados na 10ª Conferência das Partes do Convênio sobre Diversidade Biológica aprovaram um plano raquítico para a hercúlea tarefa de frear o desaparecimento de espécies. O pacto sobre recursos genéticos foi a exceção. Os representantes de mais de 190 países concordaram em colocar sob regime de proteção 17% das terras e 10% dos mares e oceanos até 2020. Atualmente, estão protegidos menos de 10% das terras e menos de 1% dos mares. O objetivo inicial era chegar a 25% e 15%, respectivamente.
No acordo está incluído o Protocolo de Nagoya de Acesso e Participação nos Benefícios dos Recursos Genéticos, o êxito mais notável da COP 10, que de todo modo foi negociado por 18 anos. Este documento estabelece mecanismos para utilizar o material genético de plantas, animais e micróbios na produção de alimentos, remédios, insumos industriais, cosméticos e em muitas outras aplicações. Por “acesso” entende-se a forma como esses recursos são obtidos, e “a divisão dos benefícios” significa como são distribuídos os ganhos provenientes desse uso.
O aproveitamento dos recursos genéticos deve muito aos conhecimentos empíricos adquiridos pelos povos indígenas durante séculos de uso e observação. Os povos originários se consideram depositários e protetores de boa parte da biodiversidade do mundo e dos conhecimentos tradicionais. Sem um acordo internacional formal como este, é impossível terem esse papel reconhecido e que seja detida a exploração de materiais e técnicas, que ocorre há décadas diante de seus narizes.
“O Protocolo de Nagoya é um tratado magnífico. Fizemos história aqui”, disse Gurdial Singh Nijar, delegado malaio representando o grupo Ásia-Pacífico. “Com este tratado esperamos apagar a palavra biopirataria do vocabulário do mundo”, afirmou. A biopirataria é praticada por empresas que se beneficiam do conhecimento indígena sobre as virtudes das espécies biológicas, mas sem seu consentimento e sem compartilhar os lucros.
“Podemos viver com o Protocolo de Nagoya”, disse ao Terramérica a ativista Joji Cariño, da indígena Fundação Tebtebba, com sede nas Filipinas. O acordo sobre um tema complexo e polêmico foi alcançado no último minuto, graças à intervenção do ministro do Meio Ambiente do Japão, Ryu Matsumoto, segundo disseram delegados, como Nijar. “Representa um grande triunfo e, no geral, é muito bom”, afirmou Preston Hardison, da tribo tulalip, dos Estados Unidos.
“O Protocolo de Nagoya coloca os povos indígenas em condições de falar diretamente aos Estados sobre nossos direitos aos recursos genéticos e o valor do conhecimento tradicional no uso dos mesmos”, disse Hardison ao Terramérica. China e Índia queriam nacionalizar os recursos genéticos fronteiras adentro. União Europeia (UE), Canadá e Austrália, que possuem grandes indústrias farmacêuticas e cosméticas, apresentaram dura resistência às tentativas de incluir os produtos bioquímicos derivados de plantas e outras espécies, destacou Hardison.
Segundo Christine Von Weizsäcker, porta-voz da Aliança do Convênio da Diversidade Biológica (CDB Alliance), uma coalizão de organizações não governamentais, “este é um grande avanço para os países em desenvolvimento”. Em entrevista ao Terramérica, Weizsäcker declarou que “está longe de ser perfeito, mas oferece uma sólida base para o trabalho futuro”.
Para entrar em vigor, o Protocolo de Nagoya deve ser ratificado pelos países, e os governos terão de adotar leis e regulamentações nacionais sobre acesso e divisão dos benefícios para colocá-lo em prática. Desde logo, como ocorre com muitos tratados internacionais, os países podem escolher ignorá-lo, pois não contém nenhuma cláusula vinculante, destacou Hardison.
Embora pareça incrível, este documento pode ser o mais forte dos três pilares do Convênio sobre a Diversidade Biológica. O segundo pilar é o plano estratégico com 20 objetivos a cumprir antes de 2020, e cuja finalidade central é chegar a esse ano com um ritmo de extinção de espécies que seja a metade do atual.
“Acreditamos que ainda são necessárias metas muito mais ambiciosas para sustentar a ampla gama de serviços essenciais que os ecossistemas prestam ao bem-estar humano”, disse Russell Mittermeier, presidente da organização não governamental Conservation International, com sede nos Estados Unidos. “A conservação e o uso sustentável da biodiversidade precisa que o setor público realize investimentos catalisadores, estratégicos e bem dirigidos”, disse Mittermeier em um comunicado
Talvez, o pilar mais fraco seja o terceiro, o financiamento para implementar o Protocolo e o plano estratégico. No momento são destinados US$ 3 bilhões anuais à assistência ao desenvolvimento em matéria de biodiversidade e conservação. Os especialistas concordam que a quantia deveria ficar entre US$ 30 bilhões e US$ 300 bilhões. Contudo, em Nagoya não se conseguiu esse compromisso. “Precisamos aproveitar a energia desta reunião, onde vimos compromissos significativos e uma renovada vontade política, bem como dinheiro real” procedente de, por exemplo, Japão, disse Jane Smart, da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN).
Há duas semanas, quando começou a conferência em Nagoya, muitos países africanos, asiáticos e latino-americanos insistiram na importância de o Norte industrial assumir compromissos financeiros firmes. Como os Estados Unidos não são membro do Convênio sobre a Diversidade Biológica, a maior parte do dinheiro deve vir da UE, que sofre o impacto da recessão econômica. O bloco não assumiu novos compromissos financeiros. Segundo fontes das delegações, os países do Sul em desenvolvimento aceitaram que o prazo para esses compromissos se estenda até a próxima COP, que acontecerá na Índia em 2012. E, por outro lado, os governos das nações ricas aprovaram o Protocolo de Nagoya.
“A África exige que os doadores aumentem suas contribuições. Sem financiamento, este será um acordo vazio”, disse James Seyani, do Malaui, e porta-voz dos países africanos. “Estamos orgulhosos por haver um acordo sobre acesso e divisão de benefícios. Mas, voltamos a solicitar às nações doadoras que respondam ao nosso pedido de desenvolvimento de capacidades, para que possamos implementar este pacto em nossos países”, declarou Seyani no encerramento da conferência.
* O autor é correspondente da IPS.
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